segunda-feira, março 26, 2012

O Hooliganismo Brasileiro

Era uma vez um país que amava o futebol. Tinha torcedores fanáticos, clubes vencedores, jogadores excelentes, mas tratava o esporte com descaso. Os políticos faziam vista grossa para os problemas estruturais. Os estádios eram todos sucateados e sem menores condições de segurança. A polícia agia com incompetência e falta de profissionalismo, e alguns bandidos fantasiados de torcedores praticavam crimes hediondos dentro e fora dos estádios e saíam completamente impunes meramente pela falta de vontade das autoridades em exterminar o problema.

Conhece esse país, certo? Claro que é o Brasil, você deve ter pensado, não é? Pois você está errado. Estou falando da Inglaterra na década de 80.

Em meados dos anos 80, a Inglaterra vivia uma crescente onda de violência relacionada ao futebol. Grupos  dos chamados "Hooligans" - termo que, em tradução livre, significa 'vândalos' - brotavam por toda Inglaterra, cada vez mais violentos e abusados. Os estádios ingleses, em sua maioria, já estavam próximos aos 100 anos de idade, e longe, muito longe da manutenção adequada. Jogos eram superlotados, pois a principal fonte de renda dos clubes era a bilheteria, e as regras de segurança eram meramente uma 'sugestão'.
Torcidas como a do LiverpoolMilwall, West Ham United, Tottenham e Queens Park Rangers estavam especializando-se em distribuir violência e destruição por onde passavam.

Dois eventos mudaram a história do futebol inglês: Em 1985 na Bélgica, ocorreu a final da Copa dos Campeões, entre Juventus e Liverpool. Nesta ocasião, um confronto entre torcedores do Liverpool e Juventus, aliados com um estádio em péssimas condições e despreparo policial, resultou em 39 torcedores da Juventus mortos e outros 600 feridos. Este evento, que ficou conhecido como A Tragédia de Helsey Stadium, culminou com o banimento de clubes ingleses em competições européias. O Liverpool pegou 6 anos de gancho. Quando a Inglaterra tentava implementar maneiras de garantir segurança nos estádios ingleses, aconteceu uma segunda tragédia: em 1989, na final da FA Cup, entre (novamente) o Liverpool e o Nottingham Forest, a superlotação e comoção do público resultou em pessoas sendo esmagadas contra o alambrado do estádio e 96 mortos, além de quase 800 feridos. A Tragédia de Hillborough, é considerada até hoje uma das piores tragédias relacionadas ao futebol na história.

Este foi o momento em que a Inglaterra deu um basta na situação. A federação exigiu de todos os clubes, completa reforma em seus estádios, extinção dos alambrados e grades, instalação de sistemas de segurança em vídeo, policiamento reforçado e adequado e venda de ingressos compatível com o número de poltronas existentes no recinto. Todas as ações, certamente ajudaram a reduzir os incidentes dentro dos estádios, mas ainda existiam problemas fora dos estádios. O governo inglês, então criou o Football Spectactors Act, que criou uma legislação firme para crimes relacionados ao futebol. Uma força tarefa foi criada, para analisar os casos e julgá-los mais rapidamente. Torcedores agora poderiam ser condenados à anos de prisão por desordem, agressão e assassinato. E qualquer suspeita de participação de um indivíduo nestas atividades já resultaria em um banimento do mesmo de estádios de futebol em território inglês.

Será que deu certo? É só ver como são os estádios de futebol e como se comporta o público na Inglaterra hoje em dia.

Toda essa história sobre a Inglaterra há tantos anos atrás, o que tem haver com o Brasil?

Nós vivemos a mesma situação que os ingleses viviam à 3 décadas atrás. Apesar de uma melhora relativa nos estádios brasileiros nos últimos anos, o torcedor brasileiro sempre passou muito longe de ser um exemplo de conduta.
Eis que nas duas últimas semanas, vemos notícias preocupantes nos noticiários: em Campinas, no clássico entre Ponte Preta e Guarani, torcedores entraram em confronto com a polícia. Em São Paulo, no clássico entre Corinthians e Palmeiras, o futebol ficou em segundo plano, graças ao confronto entre duas torcidas organizadas nas ruas da cidade, que resultaram em uma morte (até o momento) e alguns outros feridos. Alguns meses atrás, um torcedor do Corinthians foi encontrado morto em um rio da cidade, vítima de briga de torcedores.

A providência que a Federação Paulista de Futebol tomou foi o banimento das torcidas organizadas Gaviões da Fiel (Corinthians) e Mancha Verde (Palmeiras) dos estádios. O interessante é notar que, há uma década atrás, as torcidas organizadas foram consideradas extintas do futebol brasileiro.

Novamente a omissão do governo e dos órgãos responsáveis é impressionante no Brasil. Nem às vésperas de uma Copa do Mundo, atitudes e decisões são tomadas para evitar que bandidos e assassinos disfarçados de torcedores ocupem os estádios e espantem as famílias do espetáculo da bola.

Vale ressaltar que, os estádios construídos para a Copa do Mundo, inicialmente serão configurados de acordo com o padrão inglês, sem alambrados, mas após o evento da FIFA, todos estádios receberão a proteção antes de serem usados pelos clubes do país. Mais um exemplo do jeitinho brasileiro de tentar inibir ações incorretas e criminosas, criando dispositivos para dificultá-la, ao invés de punir os culpados e exterminar o mal pela raiz. Até onde isso é falta de vontade e até onde isso é incompetência? Como pode, um país que se julga 'emergente', uma futura potência mundial, compactuar com um comportamento ridículo e troglodita como o dos torcedores Brasileiros?

Por que o Brasil não pode enxergar o exemplo inglês, italiano e alemão e realmente dar um grande passo rumo a civilização e ao desenvolvimento, ao invés de esperar que aconteça uma Tragédia de Hillborough em solo brasileiro? Até quando teremos que esperar?